• Semana Pedagógica

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    Mais um ano letivo se inicia e mais uma vez nós, professores em colégios e universidades, somos convocados para a semana pedagógica. Para você que não é professor, vale uma explicação sobre o que é a semana ou jornada pedagógica.

    Uma semana antes do início das aulas, os professores devem se apresentar para, juntamente com a coordenação pedagógica e direção, organizar os trabalhos para o começo das aulas. É um importante encontro que visa propiciar que a equipe conheça os novos professores que estão chegando e que seja informado a todos o que haverá de novo no ano que principia. Mas é também o momento de uma série de palestras e discussões relacionadas à pedagogia.

    É um evento no qual os professores têm contato com uma série de textos de grandes nomes da área pedagógica. Durante as palestras todos os problemas da sala de aula são tratados e, inclusive, a melhor elaboração das provas são assunto de interesse. Só há um pequeno problema: durante a semana pedagógica não será ministrada nem uma aula sequer e, por conseguinte, nenhuma prova será elaborada. Todas as soluções são teóricas.

    Contudo, essa teoria está desvinculada da prática. Durante minha carreira devo ter ouvido pelo menos uma dezena de palestrantes criticando as aulas expositivas. Todos criticavam aulas expositivas dando uma aula expositiva. Nenhum, simplesmente nenhum, apresentou suas ideias com um trabalho em que não nos obrigasse a ficar sentados, ouvindo-os falar, como o fazem os alunos no modelo jesuítico de aula que herdamos.

    Professores devem ser os únicos profissionais que partem para o trabalho sem treinamento baseado na realidade que encontrarão. Quem já fez um curso de licenciatura sabe que o estágio nas escolas durante a graduação é inútil para preparar o professor para a sala de aula. A quantidade de aulas destinadas à prática é pequena e, muitas vezes, nem mesmo esse pequeno número de aulas é cumprido.

    Uma vez concluída a graduação, o trabalho do professor é solitário. Ele está acompanhado por seus alunos, mas não por seus pares. Os professores não assistem às aulas uns dos outros. Aprender algo sobre a prática de sala de aula com um colega é improvável. Cada um dá sua aula da maneira que considera melhor, com poucos ajustes, sem treino, sem troca de experiências. A teoria desvinculada da prática proposta pelos pedagogos na semana pedagógica e o isolamento dos professores imersos no seu trabalho garantem que este ano será muito parecido com o ano anterior.

    Os maiores responsáveis por esse isolamento, se observado seus comportamentos, são os próprios professores. Quando a proposta de permitir que um professor possa assistir à aula de um colega é apresentada, visando que um possa aprender com o outro, a maioria docente a considera uma falta de respeito. Uma intromissão. Engenheiros, médicos, cientistas, advogados, todos podem trabalhar em equipe. Professor não. Ele está ali para ensinar, não para aprender.

  • Para Matheus e Thalita e, infelizmente, muitos outros

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    Sempre (ou quase sempre) fui muito bem recebido pelos meus alunos. Mesmo no início de minha carreira, cheio de inseguranças, os alunos eram muito gentis comigo. Isso fez com que me tornasse muito grato a todos eles. Tenho a perfeita consciência de que muito do que tenho, além de uma boa parte de meu entusiasmo pela vida, provém deles.

    Claro que não me lembro de todos os alunos que tive. Alguns marcam mais, outros menos, não por merecerem mais ou menos, apenas por contingência. Sempre digo: os meus melhores alunos foram os que se tornaram meus amigos.

    Matheus foi um aluno incrível. Apesar de sua notável inteligência, não é devida a ela que me lembro tão bem e com tanto carinho dele. É por um de seus frutos: o humor. Portador de um humor diferenciado, vivo, inesperado, era sempre muito divertido conversar com ele. Lembro-me de expressões, de palavras que, dentro do contexto em que foram ditas, geravam risos, atenuando as angústias e incertezas que todo vestibulando enfrenta.

    Um ano antes de seu terceiro ano, o seu Colégio, o Colégio São Jorge, tinha aprovado muito bem em medicina. Um de nossos alunos, inclusive, passou em primeiro lugar na UESC. Lembro-me de que ele se referia a esse aluno como monstro. “Ele era um monstro, não era professor?”. No que eu lhe dizia: "no ano que vem, estarão se referindo assim de você, estarão dizendo que você era um monstro".

    Dito e feito, Matheus passou em medicina na UESC e na UFSC, muito longe de nossa Ilhéus, na Bahia, o que representou um afastamento de sua namorada Thalita Régis, que também fora minha aluna. Lembro-me de pensar que toda essa distância os afastaria. Mas me lembro também dele, diante dela, dizendo: "ela pensa que nós vamos nos afastar, mas eu vou me casar com ela". Ela dava um sorriso meio sem jeito, talvez com um pouco de dúvida, a mesma que eu tinha. Os anos passaram e sempre que eu procurava saber sobre a situação deles, era informado de que o namoro continuava. Então, desisti de duvidar e me convenci de que ele cumpriria a promessa.

    No dia 24 de junho de 2010, um acidente de carro tirou a vida de ambos. Mais uma vez perco alunos, pessoas preciosas para mim. Não me encontrei com eles nos anos que se passaram. Mas é assim, geralmente, a relação com ex-alunos. Você não os vê com frequência, mas eles estão sempre presentes na sua memória e há a expectativa de encontrá-los a qualquer momento. É o momento de perguntarmos o que eles estão fazendo, se conquistaram o que queriam ou de estender a mão se eles precisarem. Enquanto há a possibilidade desse reencontro, a saudade fica esquecida. A morte tira essa possibilidade e, então, vem uma saudade incrível. Não, agora não é mais possível saber como eles estão, ficar feliz com o sucesso deles ou estendê-los a mão. Para mim, isso apenas confirma que a vida é randômica. Não vejo sentido, um porquê em tudo isso.



    PS: Ia apressado para uma aula num cursinho pré-vestibular do centro de Ilhéus. Vi Marcela Zugaib ao longe. Pareceu-me que estava vestida com a roupa de uma operadora de celular. Não sabia que ela estava trabalhando. Era hora de perguntar: como vai? O que tem feito? Quais as novidades? Percebi que ela avistou alguém que eu não via, sorriu e foi em sua direção. Não parei, pois tinha aula e estava com pressa. Depois, quando tudo se tornou impossível, lembro-me de me cobrar por não ter parado, não ter lhe dado um abraço. Mas tudo bem, a última vez em que a vi, ela ia para um encontro que jamais saberei qual é. Mas o importante é que ela estava indo, sorrindo.

  • Por que PM não pode fazer greve

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    Em São José dos Campos, SP, o Pinheirinho era uma área ocupada ilegalmente. Ali havia 1600 famílias com cerca de 5 mil moradores. Não era uma ocupação qualquer. A população que ali se instalou há oito anos contava com ruas, igreja, praça, casas de alvenaria contendo televisores, geladeiras..., enfim, era uma comunidade como muitas outras espalhadas pelo país.

    O que trouxe o Pinheirinho para o debate nacional foi que, em função da ilegalidade da ocupação, a juíza Márcia Loureiro ordenou a desocupação da área. Então, a PM de São Paulo, munida de 2.000 policiais, dois helicópteros, 220 viaturas, 40 cães e 100 cavalos desembarcou no Pinheirinho às 6 horas da manhã de um domingo, para expulsar as famílias. Ordem dada, ordem cumprida.

    Naquela manhã, a PM cumpriu com sua obrigação que é a de executar uma ordem que partiu do judiciário. Não cabe à PM discutir se a ordem é justa ou não; ela apenas tem de seguir à risca o que foi determinado. Pode-se questionar se a PM agiu com força excessiva, truculência ou se não havia outra maneira de retirar a população daquele local. Portanto, cabe o debate sobre como a PM poderia ter agido para desocupar a área, mas não se pode questionar se ela deveria desocupar a área ou não, porque essa era a sua obrigação.

    Mas não pense você que a PM está sempre disposta a fazer o que mandam os juízes, pelo menos não quando interfere nos seus interesses. Na greve da PM, na Bahia, já houve determinações judiciais exigindo que os policiais militares voltassem ao trabalho, uma vez que está bastante claro que se trata de uma greve ilegal. Porém, dessa vez, o senso de “justiça” falou mais alto na corporação. Como interromper a greve se o que a PM reivindica é justo? Como interromper a greve se o governo não está cumprindo o que determina a lei em termos de investimento em segurança pública?

    Voltemos ao Pinheirinho. A Constituição brasileira estabelece que a propriedade não pode ser definida apenas por seu valor econômico, mas também por seu valor social. Todos têm direito a uma moradia digna. Então, para onde pende a justiça no caso “Pinheirinho”? Em favor das famílias despejadas ou da decisão da juíza? No Pinheirinho, a PM fez o seu dever, independentemente dessa análise, que não lhe cabe. Já na greve da Bahia, a “justiça” ficou a favor da PM, segundo interpretação dela própria e, pasmem, de parte da população que apoia a greve.

    É claro que os policiais militares precisam ser mais bem remunerados e ter melhores condições de trabalho. Mas não são só eles, e sim, muitas, ou quase todas as classes profissionais do Brasil, as quais possuem reivindicações justas. Articular uma greve dos policiais às vésperas do carnaval é chantagem e inconsequência. A Bahia gera mais de 200 mil empregos por causa do carnaval. A maioria dessas vagas de trabalho é para a população de baixa renda, como os cordeiros dos blocos. Além disso, como empresários podem continuar investindo no turismo da Bahia se o estado vive um clima de tamanha instabilidade?

    Alguns argumentam que os policiais não poderão conquistar o que merecem sem organizarem greves. Entretanto, se fazer greve fosse garantia de conquista de direitos, os professores desse país representariam a classe profissional de maior remuneração, porque desconheço outro grupo de profissionais que tenha realizado mais greves e paralisações do que o dos professores.

    O caminho para um país mais justo para as famílias do Pinheirinho, PMs, professores, enfim, para a população brasileira não é virar as costas para o que determinam as nossas leis. Nós, felizmente, apesar de suas falhas, vivemos em um país democrático e precisamos saber jogar dentro de suas regras. O fato de estarmos discutindo se a polícia armada deve ou não obedecer às leis diz muito sobre o enorme salto que ainda precisamos dar para construirmos um estado justo.

    PS: Em 1981, o governo americano obteve informações sobre uma greve iminente dos controladores de voo. Secretamente, o então Presidente Ronald Reagan determinou que militares fossem treinados para trabalhar como controladores de voo. Quando a greve eclodiu, imediatamente os militares treinados assumiram os postos dos grevistas e o transporte aéreo do país não foi afetado. Um país que sediará uma Copa do Mundo e Olimpíada tem muito a aprender com essa experiência americana. Afinal, quem faz greve às vésperas de um carnaval...